O Coxo
Tinha eu uns seis anos e não era permitido eu sair para a rua.Minha mãe tinha medo que eu sumisse,pois tinha muitos ciganos,e marinheiros na cidade pois existia um Porto internacional onde vários navios atracavam.Mas eu adorava a rua,pois dentro de casa eu já conhecia tudo.A rua que eu podia sair era no quintal de minha casa,mas rua,rua mesmo pela porta da frente,esta não!
Mas era esta que me fascinava...Lá tinha tantas coisas para ver,para descobrir...
Só podia ficar algumas horas sentada no degrau da porta da rua,esta ficava entreaberta,eu colocava um capacho para ela não fechar,pois ao mesmo tempo que me encantava eu tinha ainda alguns medos,este colocados por minha mãe...
Um deles era o coxo que todos falavam...Olha o coxo vem vindo! Cuidado com o coxo!
Além de coxo tinha uma pequena corcunda...Este eu tinha uma curiosidade e um medo ao mesmo tempo.Sempre com os ouvidos atenta pela tardinha hora em que ele costumava passar eu escutava o som do caminhar do coxo,que era um toc,toc,toc,algo singular,eu corria na porta da rua para olhar.
Tinha ele uma perna mais curta que a outra,e o sapato era feito para igualar na altura com a outra perna. O sapato era feito com madeira,e todo preto. O coxo era baixinho e muito feio,tinha uma cara triste,e eu sempre pensava que ele era triste assim por causa da corcunda e também do sapato que era obrigado a usar,pois eu particularmente achava horrível (hoje todas as mulheres usam,parecido com plataformas)
Sempre achava ele uma figura esquisita,algo como estórias de bruxos,isso na minha imaginação, de coisas que dele falavam...Andava sempre de preto e tinha uns cabelos enormes.Todas as crianças da quadra tinham medo dele,quando viam ao longe corriam para as suas casas,menos eu que gostava de olhar como para desvenda-lo.Muitas vezes eu saia correndo para a outra calçada paralela e seguia ele até a esquina...e via a dificuldade que ele caminhava,e por notar isso sabia que nunca ele poderia correr para me pegar,só se fosse de surpresa,mas seria difícil,pois o toc,toc denunciava.
Assim fui crescendo...Descobrindo o mundo,descobri onde o coxo morava...Morava na mesma rua que eu,mas não na mesma quadra. A casa dele era bem estreita,parecia pequena e morava só...Sempre que eu tinha que passar ali eu descia o meio fio,pois achava que ele sabia que eu vivia observando ele,e talvez ele não gostasse.
Depois acabei crescendo mais que o coxo,e ai não tinha mais medo dele,embora minha mãe tivesse...De tanto observa-lo comecei enxergar ele de maneira diferente,não mais com medo,mas com muita pena...Eu tinha duas pernas perfeitas,podia correr,pular,andar de bicleta,andar no silêncio se quisesse,poderia também escolher variedades de sapatos,e não aqueles só feitos por sapateiros...
Resolvi a partir dali cumprimenta-lo comecei num dia em que vi ele vindo...Eu disse boa tarde! Ele a princípio achou que não era para ele,mas eu insisti,e ele respondeu...Me deu um grande prazer! Que eu tive vontade que viesse logo o outro dia para eu poder fazer igual...Era como se eu quisesse dizer para ele...Olha,eu nunca tive medo de você,me desculpe sim! E daí por diante passei sempre a cumprimenta-lo e fazia questão disso...O coxo cedo me fez descobrir que ser diferente as pessoas tem medo,sem mesmo saber o por que?... O triste de tudo isso é que descobri que na verdade o coxo não era diferente,era apenas um ser infortunado por ser deficiente...Diferente mesmo éramos nós...Na nossa ignorância...
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